ESOP envia Carta Aberta à Assembleia da República

ESOP envia Carta Aberta à Assembleia da República

2023- 01- 25

A Assembleia da República vai votar uma proposta de autorização legislativa em que a Assembleia autoriza o Governo a legislar sozinho a transposição da Diretiva relativa aos Direitos de Autor e Direitos Conexos no Mercado Único Digital.

Esta Diretiva regula aspetos essenciais da vida em sociedade, com impacto em direitos fundamentais, como sejam o direito à liberdade de expressão e de informação e o direito à educação, o que deveria exigir um amplo e participado debate público. Por ser matéria de direitos fundamentais, a competência caberia à Assembleia da República. Contudo, a ser aprovada esta autorização legislativa, a Assembleia abdica da sua função legislativa e delega no Governo a transposição de uma das iniciativas legislativas europeias mais polémicas e controversas dos últimos anos, sem os contributos e melhorias que a discussão pública na Assembleia da República poderia acrescentar àquele diploma.

Quando a primeira proposta de transposição (Proposta de Lei 114/XIV/3) deu entrada na Assembleia da República, em setembro de 2021, um dos objetivos foi precisamente a realização de uma consulta pública na Assembleia da República: “atenta a matéria, em sede do processo legislativo a decorrer na Assembleia da República devem ser ouvidos(…), devendo, ainda, a presente proposta de lei ser submetida a consulta pública.” (p.6).

Contudo, certo é que ainda não foi realizada qualquer consulta pública ou audiência parlamentar relativa à presente proposta de transposição.
No passado dia 11 de outubro foi realizada uma Conferência Parlamentar intitulada “Direitos de Autor e Direitos Conexos na Era Digital”. Nela participaram 8 (oito) entidades representantes dos interesses dos titulares de direitos, a APRITEL e a Google. Não foi ouvida nenhuma entidade da sociedade civil. Isto pese embora os próprios serviços da Assembleia da República, na nota técnica (p.15 e 16) que acompanha a proposta de lei, terem sugerido a consulta a entidades da sociedade civil, incluindo associações de defesa de direitos digitais, de defesa do consumidor, e de juristas. A sociedade civil foi excluída.

Uma transposição por via de decreto-lei governativo, sem que a Assembleia da República tenha sequer aberto o texto a melhorias ou discutido o detalhe do seu conteúdo, diminui as garantias de transparência do processo legislativo. Uma transposição por via governativa não garante a mesma pluralidade de intervenientes, ideias e perspetivas. Na Assembleia da República, a participação dos deputados no processo legislativo proporciona uma representatividade mais alargada dos cidadãos que os elegeram precisamente para essa função, da qual não devem abdicar.

A casa da Democracia é também o local mais apropriado para abrir processos de consulta pública, realizar audiências e discutir posições de forma pública e transparente. Pelo contrário, o processo legislativo por via de decreto-lei é mais opaco. A ser aprovada esta autorização e caso a consulta pública venha a ser realizada pelo Governo, arrisca-se a ser um mero endereço de correio eletrónico para onde podem ser remetidos documentos. Sem audiências, sem apresentação e discussão de propostas, sem discussão pública do diploma. A valorização da cidadania e a promoção da participação cívica no processo democrático só é alcançável com a possibilidade de uma participação substancial e efetiva da sociedade civil, não se compadece com consultas públicas cumpridas por mero formalismo.

Para a ESOP a Sociedade Civil deveria ser parte integrante do processo legislativo, como forma de incluir as preocupações e anseios dos cidadãos. Só assim o Legislador tem acesso a todos os argumentos que rodeiam a questão, para que possa em plena consciência e na presença de todos os factos, definir e decidir as normas pelas quais a Sociedade se irá reger, o que não se está a verificar.
Esta carta aberta foi assinada por várias organizações (como sejam, D3 - Defesa dos Direitos Digitais, Associação Nacional para o Software Livre (ANSOL), Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação (APDSI), entre muitas outras) e enviada à Assembleia da República.

A Carta está disponível em https://direitosdigitais.pt/comunicacao/noticias/142-carta-aberta-aos-deputados-da-assembleia-da-republica-sobre-a-diretiva-do-direito-de-autor